Construção do mutante de eliminação Dflr1

A eliminação individual de um determinado gene do genoma em Saccharomyces cerevisiae baseia-se no processo de recombinação homóloga in vivo. Em levedura, este processo é relativamente simples e tem elevada e precisão pois o processo de recombinação homóloga é muito eficiente.

No presente exemplo, o gene FLR1 do genoma de S. cerevisiae é substituído por um fragmento de DNA exógeno, designado por cassete de eliminação. Esta cassete foi desenhada para conferir à levedura determinadas propriedades quando inserida no genoma. No caso em estudo, a cassete KanMX confere resistência ao antibiótico geneticina (Fig. 1).

Para que o processo de recombinação homóloga seja eficiente, a cassete tem de ser flanqueada por regiões de homologia com o local do genoma que se pretende eliminar (regiões a laranja, Fig. 1) sendo desenhadas para cada gene em particular. No caso da estirpe da levedura FY1679 (cujo genoma foi sequenciado) estas regiões podem ter apenas 40 pb para se ter um processo de recombinação eficiente. No caso de outras estirpes de levedura, estas regiões terão de ser mais extensas (400 a 700 pb), pois ainda que a sequência do genoma seja muito próxima não é rigorosamente idêntica. Neste último caso, as regiões de homologia mais extensas aumentam a probabilidade de ocorrer a recombinação homóloga no local do genoma escolhido (saber mais).

Acontece que a eliminação de determinados genes do genoma pode ser incompatível com a manutenção da viabilidade celular. Esses genes são chamados essenciais. Quando se pretende proceder à eliminação de um gene desconhecido, e portanto, que não se sabe se é ou não essencial, essa eliminação começa por ser feita em células de levedura diplóides, que têm duas cópias de cada cromossoma e ,portanto, duas cópias de cada gene no seu genoma. Assim, se o gene for essencial, ao eliminar uma das cópias do gene, a outra cópia disponível vai continuar a assegurar a viabilidade celular (Fig. 1A). Obtém-se assim um mutante de eliminação diplóide heterozigótico. Para determinar se o gene eliminado é ou não um gene essencial, as células do mutante de eliminação diplóide heterozigótico são sujeitas a esporulação (em que cada célula diplóide dá origem a quatro células, haplóides, por meiose, chamadas esporos). Neste processo, duas das células filhas herdam o gene intacto e duas herdam o gene eliminado. Recorrendo a um micromanipulador é possível, experimentalmente, isolar e separar as 4 células resultantes. No caso de se tratar de um gene essencial, as duas células que herdaram o gene eliminado não vão ser viáveis e portanto não vão crescer em meio de cultura (Fig. 1A).

Quando se sabe que o gene a eliminar não é essencial, a sua eliminação já pode ser feita directamente nas células de levedura haploides, como é o caso do presente exemplo, o gene FLR1 (Fig. 1B).



Fig. 1- Técnica de eliminação de um gene de levedura do genoma. A cassete de eliminação é amplificada por PCR e é desenhada de forma a ter, de cada lado, regiões de homologia com as sequências que flanqueiam o gene a eliminar com pelo menos 40 pb. Depois, por transformação, é introduzida dentro das células de levedura diplóides (A) ou haplóides (B) onde vai ocorrer a recombinação hómologa, in vivo, e vai substituir o gene alvo de eliminação. Em B, se o gene eliminado não for essencial obtêm-se, por esporulação do mutante diplóide heterozigótico, quatro esporos (tétrada) viáveis (tetrada 1). Se o gene for essencial, apenas dois dos esporos são viáveis (tétrada 2) (ver procedimento).

O facto da recombinação homóloga ser um processo com grande eficiência em células de levedura tornou possível a construção de bancos de mutantes haplóides e diplóides heterozigóticos (estes, no caso dos genes essenciais), com cada um dos genes individualmente eliminados. No projecto EUROFAN, por exemplo, foram individualmente eliminadas 758 ORFs (http://mips.gsf.de/proj/eurofan/). Um projecto mais recente promoveu a eliminação sistemática e individual das 6000 ORF’s que compõem o genoma da levedura sendo hoje possível adquirir estas estirpes mutantes (EUROSCARF) Estes recursos biológicos actualmente disponíveis têm-se mostrando decisivos na investigação da levedura na era pós-genómica.

A análise do fenótipo que estas estirpes mutantes apresentam são reveladoras frequentemente da provável função biológica do gene eliminado. Exemplo disso são os resultados obtidos para o gene FLR1 (resultados da análise fenotípica do gene FLR1).