Resistência a múltiplas drogas

Há vários mecanismos de resistência que podem ser encontrados nos organismos patogénicos. As células cancerosas apresentam mesmo vários tipos desses mecanismos, cujas combinações variam com as linhas celulares, sendo um dos maiores entraves ao tratamento do cancro (Kolaczkowski e Goffeau, 1997). Estas estratégias compreendem:

-   Inactivação da droga por modificação ou metabolismo por enzimas, sendo exemplo o mecanismo de resistência aos antibióticos b-lactâmicos como a penicilina, levado a cabo por penicilases que catalisam a hidrólise do anel b-lactâmico (Spratt, 1994; Rasmussen e Bush, 1997), ou o metabolismo de ácidos orgânicos inibidores do crescimento que podem ser usados, com menor ou maior eficiência, como fonte de carbono por leveduras de diferentes espécies (Sinskey e Batt, 1987; Fleet, 1990). Por outro lado, há drogas que só após metabolização se convertem na forma activa (Vanden Bossche et al., 1994);

-   Alteração do alvo da acção da droga, que pode resultar na diminuição da afinidade da droga por este. Por exemplo, mutações na DNA girase conferem resistência a fluoroquinolonas em bactérias, incluindo Staphylococcus aureus (Ouabdesselam et al., 1996);

-   Redução da permeabilidade membranar à droga, por alteração da sua composição lipídica, ou em porinas ou lipopolissacáridos (Jarlier e Nikaido, 1994);

-   Expulsão ou compartimentalização da droga por acção de transportadores membranares reduzindo a sua concentração celular efectiva (West, 1990);

Alguns destes mecanismos conferem resistência a um tóxico em particular, como é o caso bem estudado do transportador TetB de E. coli, capaz de realizar o efluxo de tetraciclina e de um conjunto análogos estruturais próximos (Levy, 1992). No entanto, outros destes mecanismos permitem adquirir resistência a compostos citotóxicos não relacionados, nem quimicamente nem quanto ao modo de acção, dando origem ao fenómeno denominado por resistência a múltiplas drogas conhecido por MDR (de “Multidrug resistance”) ou por PDR (de “pleotropic drug resistance”).

Um dos casos mais estudados de MDR é o que envolve a P-glicoproteína, um transportador ABC de células de mamífero, responsável pelo efluxo de drogas, conferindo desta forma resistência às células cancerosas, que por desregulação de mecanismos variados apresentam muitas vezes esta proteína superexpressa (Borst e Shinker, 1997). Vários homólogos da P-glicoproteína têm sido associados ao mesmo fenómeno de resistência em outros organismos como por exemplo no Plasmodium falciparium, na resistência ao antimalária cloroquina (Foote et al., 1989), e na Leishmania tarentolae, na resistência a metais pesados e a metotrexato, um inibidor da dihidrofolato reductase (Ouellette et al., 1990).

Há várias razões que fazem da levedura S. cerevisiae um modelo para o estudo de mecanismos gerais das células eucarióticas (saber mais). No entanto há outros factores que tornam esta célula alvo de interesse para o estudo do fenómeno MDR. Nomeadamente, existem várias espécies de leveduras com características patogénicas para o homem e para as plantas. Além disso, mesmo em casos em que não é conhecido o alvo de acção da droga na levedura, como é o caso das drogas antimalária, esta tem sido usada como modelo pois existem evidências de que os mecanismos de resistência foram conservados em organismos filogeneticamente distantes (Borst e Ouellette, 1995). Inclusive, a levedura tem sido usada para proceder à caracterização do mecanismo de acção de várias drogas anticancerígenas, tendo sido ainda usada para estudos de mutagénese e funcionalidade de receptores de esteróis clonados (Kolaczkowski e Goffeau, 1997).

Em levedura, vários sistemas de transporte transmembranar exercem um papel importante em MDR, quer por expulsão activa do citoplasma de numerosos e diversos compostos, quer por alteração da sua acumulação na célula ou partição intracelular (Roepe et al., 1996), como esquematizado na Figura 1. Os sistemas de transporte activo secundário de múltiplas drogas (MD) energizados pela força H+-motriz, pertencem à Superfamília dos Facilitadores Maioritários (MFS) (Sá-Correia e Tenreiro, 2002). Outros determinantes de MDR incluem os transportadores de MD da Superfamília ABC (de ATP-binding cassette) (Bauer et al., 1999) e seus factores de regulação transcricional, proteínas da resposta geral ao stresse, em particular oxidativo, outros transportadores e enzimas do metabolismo geral (Kobayashi et al., 2002).