Tecnologia em todas as frentes

A capacidade do hardware nos veículos em teste está perto de responder às necessidades de condução de um VA53. Os veículos estão munidos de diferentes instrumentos que, em conjunto, conseguem responder à complexidade da condução53:

(1) o poder computacional do sistema deve contar com uma boa unidade de processamento de gráficos (GPU) e uma boa unidade de processamento central (CPU);

(2) as câmaras devem ter um alcance significativo e uma boa resolução mas os sensores enfrentam ainda limitações em processar imagens com condições meteorológicas adversas;

(3) o radar representa a melhor opção para condições meteorológicas e de tráfego irregulares;

(4) o sistema Lidar consegue avaliar 360º do ambiente em redor do veículo com maior grau de detalhe que os outros sensores e mais robusto em diferentes ambientes de tráfego, no entanto, necessita de maior poder computacional.

Veja-se o exemplo dos veículos da Navya, usados em diferentes projectos europeus: são compostos por um sistema de GPS, câmaras ópticas estereoscópicas e 4 sensores Lidar (radar ligeiro); os sensores têm um alcance de 200 m e inspeccionam o ambiente em redor 25 vezes por segundo. O veículo consegue detectar peões ou outros veículos e abranda ou pára se necessário57.

Os instrumentos recolhem uma vasta quantidade de dados que deve ser processada em tempo real. O sistema automatizado do veículo deve assegurar toda a tarefa dinâmica da condução em segurança até ao destino. O computador de bordo analisa os dados e dá ordens aos sistemas de aceleração/ desaceleração ou direcção do veículo. Mas além do processamento local, o computador de bordo deve ainda estar ligado remotamente à cloud para58:

(1) actualização de software e algotimos de aprendizagem;

(2) processamento de dados agregados e análise em tempo real por sistemas inteligentes mais potentes;

(3) comunicação com outros veículos (V2V) ou com a infra-estrutura (V2I) permitindo a partilha e actualização de condições de tráfego ou alterações metereológicas.

O software vai ser a chave dos VA. Além do desempenho do veículo, o software pode ainda actualizar novos aspectos de entretenimento e servir como instrumento para personalizar a experiência das pessoas58. Vai permitir, por exemplo, tornar o ambiente menos iluminado, fazer o download da música que a pessoa costuma ouvir ou de um jogo para entreter os miúdos. A qualidade da programação e a experiência que o produto promete oferecer vão ser pontos de distinção entre marcas.

A consultar os astros… (ligação terminada: parte 2/2)

(…) Mas o que dizem as notícias e os investigadores que trabalham nesta área?

A academia não apresenta uma data específica mas uma leitura rápida a diferentes artigos leva-nos a acreditar que os VA podem aparecer nas ruas entre 2025 e 2045. Mas porquê esta diferença?

A análise de cenários é um dos métodos mais utilizados quando se propõem alterações, como é o caso da entrada dos VA no mercado. Milakis et al. (2015) definiram cenários de acordo com algumas ideias chave51: No cenário optimista, onde existe uma forte aposta no desenvolvimento da tecnologia e regulamentação e no qual existe um contexto económico positivo com subsídios para incentivo ao uso, prevê-se a adopção do VA em 2025; No cenário oposto, reina a dúvida por parte do público, o desenvolvimento da tecnologia está ser afectado por vários incidentes, não existem medidas de incentivo e o preço do VA é ainda elevado. Este ambiente cria a oportunidade de aparecimento de frotas de VA, associado a serviços premium, mas apenas em 2045.

A introdução de VA no mercado pode ser condicionada por diferentes aspectos. Na indústria existem vários interessados em desenvolver o melhor software e hardware para o VA. Nieuwenhuijsen (2015) afirma que se os projectos na indústria entre parceiros forem estimulados, existir colaboração e partilha de informação, em 2025 já podem ser adquiridos veículos nível 4 SAE; a previsão diz ainda que os VA surgem 5 anos depois52. Algumas alianças estratégicas já foram feitas na indústria, no que toca ao desenvolvimento dos VA, nomeadamente entre empresas tecnológicas e do ramo automóvel. Estamos no bom caminho.

Outra forma de acelerar o processo e atingir o objectivo final é desenvolver módulos de forma partilhada e apostar em sistemas de integração das componentes53. Quando as empresas assumem tanto o desenvolvimento como a validação das tecnologias o risco que correm é alto e isso reflecte-se no custo das soluções.

Mas o que acham os especialistas da área? Underwood (2014) fez um inquérito a mais de 200 especialistas de transportes sobre a previsão de chegada dos VA e estes apontaram o período 2027-203554. Um trabalho de investigação, levado a cabo pela IHS automotive, mostrou que os participantes ligados a vários fabricantes e outras empresas relevantes no sector acreditam que a introdução de VA no mercado acontecerá em 203055. Os especialistas no Reino Unido não partilham desta visão56; estão menos entusiasmados com a vinda do VA e reconhecem os vários problemas que estes vão encontrar até chegarem ao mercado26.

Tudo aponta para que, em 2030, possamos rebater o banco do condutor e dormir a sesta a caminho de casa. Sejamos optimistas!

A consultar os astros… (ligação interrompida: parte 1/2)

Parece arriscado apostar em quando é que uma tecnologia que depende exclusivamente da investigação e desenvolvimento alheio vai aparecer no mercado. Os analistas conseguem fazer previsões com base em pistas que recolhem de várias fontes. Para além disso, recorrem a estratégias que os ajudam a organizar ideias e diminuir a incerteza da resposta final. Mas quando se trabalha para médio/longo prazo parece que a resposta, ainda que resultado de uma reflexão, se funde com a adivinhação em jeito de Nostradamus.

A estratégia da comparação:

Se olharmos para o ciclo de desenvolvimento de outras tecnologias no mundo da indústria automóvel verificamos que existe um longo período até que o produto chegue a todos os mercados. O air bag, que hoje em dia é peça chave em qualquer veículo, demorou mais de 25 anos a ser integrado nos carros em todo o mundo; A transmissão automática e os sistemas de navegação tiveram um período de difusão ainda mais longo; demoraram mais de 30 e 50 anos, respectivamente, a ganhar o título de produto generalizado20.

Mas, os últimos anos, têm sido palco de uma evolução acelerada em diferentes tecnologias no mundo dos transportes. A investigação do sistema de assistência avançada à condução (ADAS) está a permitir desenvolver capacidades tecnológicas que mais tarde, no seu conjunto, irão alimentar o veículo autónomo (nível 5 SAE). No entanto, algumas destas características tecnológicas já estão presentes em vários modelos.

A integração destas tecnologias contribui para a diferenciação das marcas no sector e é argumento de marketing na venda. Não estará esta corrida pelo último produto tecnológico a ajudar no aceleração da difusão? Por exemplo, o sistema Eco Driving, em apenas 3 anos conseguiu consolidar a sua quota de mercado, ou seja, no período 2012-2015 já tinha sido instalado em, sensivelmente, 25% dos novos modelos de veículos vendidos na Europa26.

A substituição dos veículos a gasóleo e gasolina por veículos eléctricos também está na ordem do dia na indústria automóvel. Aqui, o caso afigura-se de outra forma. Se, por um lado, as notícias do DieselGate e a direcção das políticas europeias pressionam no sentido da adopção de formas mais sustentáveis, por outro lado, o desenvolvimento das baterias eléctricas ainda não se afigura, aos olhos dos consumidores, como um produto acabado. Os veículos híbridos, ao fim de 15 anos no mercado, ainda não conseguiram alcançar uma quota substantiva de mercado20. Cairá o VA nesta redoma, um produto desejado mas que estará em eterna evolução para justificar o seu valor?

Mas o que dizem as notícias e os investigadores que trabalham nesta área?

Deixar-se conduzir no centro da cidade

Lisboa está na moda e acolhe cada vez mais turistas. Esta vaga tem transformado a cidade: existem cada vez mais imóveis para aluguer temporário, o preço das habitações tem subido em flecha e quem acaba por ficar no centro da cidade é uma população envelhecida. Mas Lisboa mostra-se como um desafio à mobilidade dos habitantes com maiores dificuldades; Cidade das 7 colinas, com ruas inclinadas e estreitas, calçada portuguesa e passeios quase inexistentes ou invadidos por carros mal estacionados.

Imagine-se o cenário de transportar um idoso para o centro da cidade. O condutor tem o cuidado de parar no meio da rua junto ao destino, sair do veículo e ajudar esta pessoa a chegar à sua habitação. Imagine-se o mesmo cenário com um VA. Daqui algumas questões podem surgir:

(1) Quem vai ajudar a pessoa com dificuldade a sair do táxi autónomo? Haverá um serviço dedicado de ride-sharing autónomo, onde o taxista deixa a sua função de condução e passa a ser anfitrião do serviço?

(2) Nenhum condutor terá dificuldade em ultrapassar um veículo imobilizado no meio da estrada mesmo indo em contra-mão e infringindo a sinalização horizontal; mas será o VA capaz de o fazer em situações especiais?

(3) Parar no meio da estrada, causando congestionamento, pode ser aceite em situações críticas, nas quais a necessidade leva à compreensão social, como é o caso descrito. Mas esta é uma prática comum e muitas vezes com justificações sem valor como é o facto de estar à espera de alguém ou “ir ali e já vir” mesmo com um lugar de estacionamento a 10 metros. O VA alguma vez será capaz de discernir o grau de necessidade e aceitação de determinadas situações?

O futuro das zonas centrais, actualmente com maior pressão de estacionamento, pode passar por não ter quaisquer áreas dedicadas a estacionamento à superfície. Nestes eixos a via da direita poderá ser reservada para tomada e largada de passageiros ou paragem de veículos de mercadorias (evitando que estes também parem no meio da estrada, com recurso à utilização dos quatro piscas, e criando os próprios veículos a situação de perigo). Talvez até se possa pensar numa zona de co-existência com peões na qual se pode maximizar o uso de solo.

Enquadrar os VA nas políticas da UE

Os veículos autónomos (VA) integram-se num grupo mais vasto conhecido na UE como TAC, Transportes Automáticos e Conectados.  Estes transportes são objecto de estudo da área de Inovação e Desenvolvimento uma vez que vão de encontro a três dos objectivos fundamentais da União Europeia: contribuir no domínio da (1) descarbonização, (2) maior eficiência e (3) competitividade49.

A Europa luta por uma economia amiga do ambiente e menos ligada ao consumo de energia; e aponta como objectivos, para 2050,

– a redução de 80% dos gases com efeito de estufa,

– e o corte de 60% das emissões,

face aos valores de 1990, no total dos vários sectores, como por exemplo, o sector da energia, da indústria, da agricultura, etc.50

Entre estes está também o sector dos transportes, um dos principais responsáveis pelas emissões. Espera-se que a intervenção atempada, através da substituição das frotas por veículos híbridos e eléctricos, possa ajudar a alcançar a meta da redução de 60% a que este sector se propôs50.

Mas alterações profundas podem trazer desequilíbrios não desejados. A área dos transportes tem um grande impacte na sociedade que conhecemos. A nível económico soma mais de 12 milhões de empregados na indústria automóvel, aos quais se somam mais 5 milhões de pessoas que trabalham directamente para esta indústria; e é o sector privado que mais aposta em inovação e desenvolvimento49.

Com o desenvolvimento de novas tecnologias surgem novas soluções, no que toca ao transporte de passageiros e mercadorias. Abre-se caminho à criação de novos mercados internacionalmente e, em consequência, à criação de valor para a Europa.

Mas à medida que a tecnologia evolui maior se torna a bateria de testes. Os sistemas são implementados e testados numa escala cada vez maior. O período de implementação espera-se longo e as políticas de transporte devem prever os resultados negativos que vão sair desta inovação.

A hora extra…

“E se o relógio marcasse 25h num dia? Se pusesse ter 1h extra?” Este é o mote de uma campanha da Audi que mostra o novo automóvel de luxo equipado com funções de assistência à condução. O Audi A8 com o sistema automatizado “traffic jam pilot” permite que o condutor, em situação de congestionamento, possa aproveitar o tempo atrás do volante de forma diferente uma vez que o sistema automatizado passa a controlar o automóvel no pára-arranca44.

Esta promessa vem ao encontro da necessidade de esticar o tempo mais um pouco ao fim do dia para conseguir fazer tudo a que nos propusemos de manhã.

E se dedicarmos alguns minutos a contar as horas perdidas nas deslocações do dia-a-dia podemos mesmo ter um ataque de nervos. Um estudo do Observatório Europeu de Mobilidade mostra que os portugueses são os que mais usam o automóvel para ir trabalhar, face aos restantes países europeus, e que gastam, em média, 8h e 11min em deslocações durante os dias úteis45, em diferentes meios de transporte. As deslocações casa-trabalho-casa ainda ocupam grande parte da nossa vida.

Nos EUA, devido à grande dispersão das cidades e à aposta no veículos automóvel como principal, e muitas vezes único meio de transporte, também se assiste ao elevado número de horas nas estradas. Valores médios, de diferentes fontes, mostram que os americanos gastam sensivelmente 1h por dia a conduzir46.

Mas se amanhã alguém nos desse 1h dentro de um VA, o que faríamos? Um inquérito realizado em 2014, mostra que 41% das pessoas, quando questionadas sobre as actividades que poderiam fazer dentro de um VA, sente necessidade de olhar pelo vidro e controlar a estrada, ainda que não necessite de conduzir47. As pessoas ainda não se sentem à vontade com estas tecnologias e apontam que o maior motivo de relutância face a este tipo de veículos é a falha do sistema48.

Mas não seria óptimo poder por o sono em dia a caminho de casa ao fim do dia?

E os veículos autónomos que voam? E os próprios aviões?

Quando hoje em dia falamos no futuro dos transportes, “veículos sem condutor” nas estradas é o primeiro pensamento a vir à cabeça… no ar é a mesma coisa. E se das primeiras questões que discutimos relativamente aos VA, inclusive neste blogue, é saber qual a reacção da máquina numa situação de emergência, o mesmo também acontece para os aviões.

A discussão pode parecer semelhante entre estes meios de transporte, e é, no entanto algumas pequenas diferenças podem alimentar uma discussão mais longa no que toca a automóveis. É comum achar que os pilotos têm muita experiência; e esta confiança que temos nos pilotos permite-nos sentir seguros no ar. Mas a verdade pode ser um pouco mais complexa. Os pilotos são realmente experientes e podem salvar vidas, como o Capitão Chesley “Sully” Sullenberger, que aterrou o voo 1549 da US Airways no Rio Hudson, um Airbus A320-214 que sofreu um bird-strike enquanto levantava voo do Aeroporto LaGuardia em Nova Iorque, em Janeiro de 2009. Por outro lado, temos o voo 4U 9525 da Germanwings, que se despenhou contra os Alpes em Março de 2015, e teve como causa principal o factor humano.

Parece transparecer em vários artigos que as pessoas não confiam em aviões sem condutor, mas a verdade é, que alguns dos acidentes a que se assiste na aviação são causados por erro humano. Hoje já todos sabemos que a maior parte dos controlos do avião são automáticos40 e que é possível levantar voo e aterrar sem intervenção do piloto… no entanto voltamos à questão “e em caso de emergência?”. A discussão pode não ter fim mas, da nossa perspectiva, os pilotos fazem mais do que “conduzir” um avião (por exemplo, pré-verificações de voo), o que pode levar a que a discussão dos aviões se possa estender no tempo ainda mais do que nos automóveis.

Gostávamos ainda de discutir o “número de pessoas no cockpit“, talvez noutra altura, mas para já retenham que a Boeing está a pensar em reduzir o número para 1 pessoa apenas41 e que a Airbus está a trabalhar em “carros voadores”42,43. Portanto, tal como nos VA que andam no chão, a revolução no ar também está a acontecer.

Porquê agora?

A ideia dos veículos autónomos foi apresentada pela primeira vez em 1939 por Norman Geddes. E apesar de ter sido pontualmente desenvolvida no mundo, por universidades e empresas automóveis, nunca foi vista como o “futuro dos transportes” por mais de 60 anos. O que mudou neste século então?

(1) Capacidade de armazenamento de dados: Em 1956, a IBM lançava o primeiro disco rígido que guardava 5 MB, por um valor de 10.000 $/MB35. Uma pesquisa rápida pela internet mostra-nos que hoje é possível alugar espaço na cloud por 0,007 $/GB/mês36.

(2) Rede: Em 1969 foi enviada a primeira mensagem por ARPANET, entre o computador anfitrião da UCLA (Universidade da California, Los Angeles) e o computador anfitrião do SRI (Stanford Research Institute). Em 1981, o número de computadores ligados à “internet” já era de 213. No ano passado, mais de 1.000 milhões de anfitriães de internet acederam por DNS37.

(3) Processamento de informação: o custo dos computadores tem vindo a diminuir enquanto, em contrapartida, o seu desempenho aumenta. Em 1961, a unidade IBM 1620 era a mais evoluída e o custo por GFLOPS (operações por segundo) era da ordem dos 1,1×10^12 $/GFLOPS; em 2015, o Intel Celeron G1830 custava 0,08 $/GFLOPS38.

(4) Largura de banda: o preço de largura de banda tem vindo a diminuir ao longo dos anos. Em 1998, o preço, nos EUA, situava-se nos 1.200 $/Mbps; Em 2015, o preço já rondava os 0,63 $/Mbps, o que corresponde a uma média de 35% de descida do preço a cada ano39.

Consideramos que a evolução exponencial da tecnologia foi o maior impulso para a entrada dos VA no nosso vocabulário. Mas o financiamento para o desenvolvimento de VA pelas instituições governamentais, a entrada de novas empresas tecnológicas no mercado automóvel ou eventos, como o DARPA Challenge, que proporcionaram visibilidade ao tema também foram importantes para a abertura desta caixa de Pandora. Lembram-se de mais algumas razões?

(um agradecimento ao Prof. Luis Bento pela sua apresentação deste tema)

CabBuddy – Partilhar a viagem em táxis autónomos

Dissertar sobre o futuro da mobilidade e justificar a entrada de uma frota partilhada de veículos autónomos (SAV) com partilha de viagens (ride-sharing) numa qualquer cidade é um desafio. E ainda que o raciocínio conduza a um cenário que, neste momento, parece fantasia e que pode estar condenado devido a diversos factores, o exercício vale por si só, uma vez que o objectivo é justificar de forma sólida esta ideia:

“Um dos problemas em cidades é o congetionamento rodoviário. No entanto, as pessoas preferem gastar tempo em filas em vez de usarem os transportes públicos. Porquê? Duas das principais características dos automóveis são a flexibilidade e a comodidade que estes oferecem. E dificilmente se encontram estas características em conjunto noutros modos.

Mais, o comportamento anterior da pessoa é a melhor forma de prever como se vai comportar no futuro26 e dificilmente muda se não houver um evento disruptivo que o faça acontecer. O VA coloca-se como o próximo passo da mobilidade. Portanto, prevê-se que, no futuro, as pessoas o adoptem. Este oferece o mesmo que o veículo tradicional com uma vantagem adicional, é mais desenvolvido tecnologicamente, logo mais apetecível.

No entanto, o paradigma da mobilidade está a ser atacado pela mudança em todas as frentes. O futuro da mobilidade pode passar pelo uso de um serviço em vez da propriedade do automóvel. Ou seja, no futuro, espera-se que o veículo seja partilhado, veículo esse que hoje em dia está parado mais de 95% do tempo27.

Mas estes veículos vão ser propriedade de quem? É provável que este tipo de veículo chegue às cidades por meio de frotas SAV porque só as grandes empresas é que podem assegurar o seguro dos veículos e pagar por esta nova tecnologia.

Para finalizar, uma vez que os novos utilizadores dão valor apenas à viagem em si e não ao facto de ter ou não o carro, a partilha de viagens em veículos autónomos (DRS), pode muito bem aparecer como um serviço low-cost da frota SAV ou mesmo dos taxis tradicionais. Este serviço explora o equilíbrio entre o preço e a qualidade de viagem. Ou seja,  aumenta de forma ponderada o tempo de viagem mas mantém as características a que as pessoas dão valor: a flexibilidade e a comodidade, mais uma vez.”

Onde é que este raciocínio falha?

Menos acidentes nas estradas, se faz favor.

Em Portugal, a sinistralidade rodoviária nos últimos anos tem vindo a diminuir. No entanto, dados de 2015, mostram que o número de acidentes e vítimas continua elevado: 32 mil acidentes com vítimas mortais e feridos, 41 mil feridos graves e ligeiros e 473 mortos12. O impacte social destes números é bastante alto. Mas existe um impacte económico que não se contabiliza à primeira vista. Baseado num estudo sobre segurança rodoviária13, considerando o número de mortos, feridos graves e ligeiros no ano de 2015, e fazendo umas contas à merceeiro pode-se apontar para um impacte na economia portuguesa de mais de 750 milhões euros no final do ano.

Com a introdução do VA e a substituição total da frota de veículos, sugere-se que a taxa de mortalidade (por km.pessoa viajado) se possa aproximar à que a aviação e a ferrovia apresentam, cerca de 1 % do valor actual14. O VA vai ser preparado para enfrentar vários cenários, o que ajudará no aumento da segurança rodoviária. No entanto, não é possível prever todas as situações. O sistema do VA deverá ser preparado para responder a novos desafios, com os quais terá de lidar de forma segura15. Um VA tem de ser capaz de lidar com acidentes e eventos na estrada e de se comportar de forma segura em diferentes contextos: condução em todas as áreas geográficas, todo o tipo de estradas, condições de tráfego ou condições metereológicas5. Pode dizer-se o mesmo de um ser humano?

Mas este desafio não se prende apenas com a tecnologia mas com o período de transição. Do lado optimista assume-se que os VA podem reduzir a taxa de acidentes e feridos em 50 %, no curto/médio prazo16 (taxa de penetração de mercado de 10 %). Este valor reflecte aspectos como redução de violações ao código da estrada: por exemplo, passar sinais vermelhos, uma contra-ordenação que o VA não está autorizado a fazer.

Outros autores são mais cautelosos. Considerando que os veículos tradicionais e VA vão partilhar a estrada, a sinistralidade pode até piorar, pelo menos para os veículos tradicionais17 que não estão acostumados com a nova forma de conduzir dos VA. E aumentar a segurança de uns à custa de outros não é necessariamente um benefício, ainda que, no final, a balança seja positiva18. Nesta fase de transição podem também começar a surgir questões relacionadas com a segurança dos peões. O comportamento das pessoas molda-se às expectativas que têm. Se as pessoas consideram que o VA vai parar sempre que confrontado com uma situação de perigo, então os peões podem tornar-se menos cautelosos e responsáveis quando estão junto aos VA19 e os condutores podem realizar acções arriscadas uma vez que se sentem seguros no meio da mobilidade autónoma20.