A hora extra…

“E se o relógio marcasse 25h num dia? Se pusesse ter 1h extra?” Este é o mote de uma campanha da Audi que mostra o novo automóvel de luxo equipado com funções de assistência à condução. O Audi A8 com o sistema automatizado “traffic jam pilot” permite que o condutor, em situação de congestionamento, possa aproveitar o tempo atrás do volante de forma diferente uma vez que o sistema automatizado passa a controlar o automóvel no pára-arranca44.

Esta promessa vem ao encontro da necessidade de esticar o tempo mais um pouco ao fim do dia para conseguir fazer tudo a que nos propusemos de manhã.

E se dedicarmos alguns minutos a contar as horas perdidas nas deslocações do dia-a-dia podemos mesmo ter um ataque de nervos. Um estudo do Observatório Europeu de Mobilidade mostra que os portugueses são os que mais usam o automóvel para ir trabalhar, face aos restantes países europeus, e que gastam, em média, 8h e 11min em deslocações durante os dias úteis45, em diferentes meios de transporte. As deslocações casa-trabalho-casa ainda ocupam grande parte da nossa vida.

Nos EUA, devido à grande dispersão das cidades e à aposta no veículos automóvel como principal, e muitas vezes único meio de transporte, também se assiste ao elevado número de horas nas estradas. Valores médios, de diferentes fontes, mostram que os americanos gastam sensivelmente 1h por dia a conduzir46.

Mas se amanhã alguém nos desse 1h dentro de um VA, o que faríamos? Um inquérito realizado em 2014, mostra que 41% das pessoas, quando questionadas sobre as actividades que poderiam fazer dentro de um VA, sente necessidade de olhar pelo vidro e controlar a estrada, ainda que não necessite de conduzir47. As pessoas ainda não se sentem à vontade com estas tecnologias e apontam que o maior motivo de relutância face a este tipo de veículos é a falha do sistema48.

Mas não seria óptimo poder por o sono em dia a caminho de casa ao fim do dia?

Mobilidade para todos.

Quem é que hoje em dia não tem um carro à porta? Pronto, se não é o vosso caso então a nossa próxima pergunta é: Quem é que hoje em dia não tem dois carros à porta? Em Portugal, estatísticas de 2014, estimam que 90% das pessoas viajam de carro21.

A geração dos nossos pais teve a oportunidade de adquirir um veículo próprio e a nossa geração (dos anos 80) cresceu com este conforto. Ainda que se conheçam as consequências desta excessiva utilização quem é que vai abdicar deste bem?

Mais alguns minutos a recolher dados estatísticos permitem consolidar a ideia que todos temos: as previsões para os próximos anos mostram que o número de pessoas com mais de 65 anos vai crescer22. As pessoas mais velhas, devido à sua experiência, são aquelas que mostram um maior conhecimento da condução, conseguem prever cenários de perigo na estrada com maior facilidade. Mas, ao mesmo tempo, a sua idade retira-lhes esta vantagem, aumenta as limitações físicas e mentais levando a maior risco de acidente na estrada17. Tal como acontece aos idosos, também as pessoas embriagadas ou cansadas vêem as suas funções diminuídas, o que leva a um aumento da probabilidade de ter um acidente. O erro humano é culpado por mais de 90% dos acidentes23, sem contar com todos aqueles acidentes menores que nem são reportados às autoridades.

O VA permite que todas as pessoas possam circular no seu interior sem necessitar de qualquer interacção. Assim, dá-se também oportunidade às pessoas debilitadas ou deficientes de se deslocarem sozinhas, o que, devido a problemas físicos ou mentais, não podiam fazer uma vez que não estavam aptas a conduzir um veículo.

Mas nem tudo são rosas. A estas vantagens também estão associados alguns problemas quando se foca a atenção na parte operacional. O VA, apesar de ser evoluído, ainda não substitui o ser humano. As pessoas debilitadas ou com problemas motores precisam de ajuda para entrar e sair dos veículos. A adaptação dos veículos a este tipo de problemas deve ser investigada e desenvolvida para permitir a integração do maior número de pessoas.

Mas a chegada da autonomia permite ainda oferecer mobilidade a outros grupos da população que hoje em dia não estão autorizados a conduzir, como jovens ou crianças, devido à sua idade tenra e imaturidade. Será que se acabaram as viagens extra ao fim do dia para levar o(a) filho(a) mais velho(a) ao treino de futebol ou à natação?! Mais uma vez surgem questões operacionais que devem ser pensadas, como a permissão de deixar viajar crianças sem supervisão ou segurança das mesmas no decorrer das viagens.

O VA terá como objectivo ser um transporte para todos, no entanto, a resposta a algumas questões que estão no ar será certamente decisiva na integração dos diferentes grupos da população.

Menos acidentes nas estradas, se faz favor.

Em Portugal, a sinistralidade rodoviária nos últimos anos tem vindo a diminuir. No entanto, dados de 2015, mostram que o número de acidentes e vítimas continua elevado: 32 mil acidentes com vítimas mortais e feridos, 41 mil feridos graves e ligeiros e 473 mortos12. O impacte social destes números é bastante alto. Mas existe um impacte económico que não se contabiliza à primeira vista. Baseado num estudo sobre segurança rodoviária13, considerando o número de mortos, feridos graves e ligeiros no ano de 2015, e fazendo umas contas à merceeiro pode-se apontar para um impacte na economia portuguesa de mais de 750 milhões euros no final do ano.

Com a introdução do VA e a substituição total da frota de veículos, sugere-se que a taxa de mortalidade (por km.pessoa viajado) se possa aproximar à que a aviação e a ferrovia apresentam, cerca de 1 % do valor actual14. O VA vai ser preparado para enfrentar vários cenários, o que ajudará no aumento da segurança rodoviária. No entanto, não é possível prever todas as situações. O sistema do VA deverá ser preparado para responder a novos desafios, com os quais terá de lidar de forma segura15. Um VA tem de ser capaz de lidar com acidentes e eventos na estrada e de se comportar de forma segura em diferentes contextos: condução em todas as áreas geográficas, todo o tipo de estradas, condições de tráfego ou condições metereológicas5. Pode dizer-se o mesmo de um ser humano?

Mas este desafio não se prende apenas com a tecnologia mas com o período de transição. Do lado optimista assume-se que os VA podem reduzir a taxa de acidentes e feridos em 50 %, no curto/médio prazo16 (taxa de penetração de mercado de 10 %). Este valor reflecte aspectos como redução de violações ao código da estrada: por exemplo, passar sinais vermelhos, uma contra-ordenação que o VA não está autorizado a fazer.

Outros autores são mais cautelosos. Considerando que os veículos tradicionais e VA vão partilhar a estrada, a sinistralidade pode até piorar, pelo menos para os veículos tradicionais17 que não estão acostumados com a nova forma de conduzir dos VA. E aumentar a segurança de uns à custa de outros não é necessariamente um benefício, ainda que, no final, a balança seja positiva18. Nesta fase de transição podem também começar a surgir questões relacionadas com a segurança dos peões. O comportamento das pessoas molda-se às expectativas que têm. Se as pessoas consideram que o VA vai parar sempre que confrontado com uma situação de perigo, então os peões podem tornar-se menos cautelosos e responsáveis quando estão junto aos VA19 e os condutores podem realizar acções arriscadas uma vez que se sentem seguros no meio da mobilidade autónoma20.