As pessoas vão ficar verdes.

Num curto espaço de tempo, questões como fiabilidade do sistema, cibersegurança, ética ou responsabilidade em caso de acidente vão ter de ser respondidas7. No entanto, existem outras questões mais operacionais que vão surgir ao longo do tempo como a segurança e o conforto em caso de retorno do controlo por parte do condutor num veículo nível 3 SAE8 ou a má disposição devido ao movimento num VA (nível 5 SAE)9. Vamo-nos focar neste último ponto.

Quando era pequena, nas estradas de montanha recheadas de brindes de curva e contra curva, o cenário era sempre o mesmo: parar ao final de 15 minutos porque estava pronta a deitar fora o almoço. Quando cresci e passei a conduzir, na mesma estrada, o cenário alterou-se. Não me imagino a voltar ao banco de trás nesta estrada. Mas com a vinda do VA é isso que vai acontecer.

Uma vez que o condutor é dispensado do controlo do veículo, passa a ser um mero passageiro e a susceptibilidade de ter má disposição pode aumentar10. Isto porquê? O condutor consegue prever o movimento futuro do veículo mas o passageiro passivo não o consegue fazer com suficiente eficácia7.

E quem é que, quando era criança, não experimentou estar no banco de trás de um carro a ler um livro? Ou recentemente a ler um artigo no telemóvel para provar um ponto em plena discussão entre amigos no carro? Pois, o resultado é?

A automatização dos veículos permite aos condutores realizar cada vez mais tarefas que não se centram na estrada. Com a chegada do VA nem a monitorização da condução é obrigatória e podem-se realizar diferentes actividades. No entanto, o facto do passageiro olhar para um dispositivo por um longo período de tempo num carro leva à inconsistência entre o que o corpo do passageiro está a sentir (movimento) e o que está a ver (parado). O conflito visual-vestibular pode promover a má disposição7,11.

Os veículos não podem, simplesmente, ser considerados salas de estar, escritórios ou locais de entretenimento sobre rodas7. No futuro, vai ser necessário considerar alterações ao nível do produto, através de mecanismos de percepção básica no processo de desenho do VA. Vários testes, quer em simulador quer em ambiente real, estão a ser levados a cabo para identificar a solução ideal para o problema.

O lado negro da força.

O veículo autónomo (VA) não vai ser um mar de rosas, vai ser necessário ultrapassar vários obstáculos até podermos utilizar uma tecnologia tão avançada. E não nos referimos apenas a problemas de hardware ou software mas a questões tão gerais como a confidencialidade dos dados do passageiro, a segurança do veículo em termos informáticos, o seguro para circular nas estradas ou as questões éticas que deverá aplicar quando sujeito a uma decisão de vida ou morte.

Imagina que estás dentro de um VA e que uma encomenda cai de um camião de mercadorias que segue à frente do veículo, levando a uma situação de risco. O VA terá de se desviar da encomenda e escolher uma das opções:

(a) matar uma pessoa numa passadeira à esquerda; ou
(b) matar um cão à direita.

Que opção escolherias? Não há lugar a “nenhuma das anteriores”. Ainda que esta resposta seja fácil (do nosso ponto de vista) podemos complicar o problema. Imagina agora que terias de escolher entre:

(a) matar um ciclista sem capacete, que não vai a cumprir as regras de segurança; ou
(b) lesionar gravemente um ciclista com capacete, que põe a segurança em primeiro lugar.

Aqui a coisa complica-se não é? Mais comparações podem ser feitas. No site6 do MIT Máquina Moral podes encontrar uma espécie de jogo onde, confrontado com uma situação de risco terás de escolher uma das opções que acabam por colocar em causa a tua ética, moral e bom senso. Ter de escolher entre matar a velhinha ou o rapaz novo e desportista; o ladrão ou o gestor do teu banco, ou, talvez a mais difícil de responder, três pessoas na passadeira ou o único ocupante do veículo. Então compras ou usas um VA que te pode matar enquanto viajas? Esta opção já não te deixa tão confortável pois não?

Quando és confrontado com estas questões começas a perceber que o VA vai tomar a decisão por ti, enquanto passageiro, e surge a pergunta: confias que o VA vai tomar a decisão “certa” numa situação de vida ou morte?

Uma consulta rápida ao site6 do MIT Máquina Moral leva-nos a concluir que os inquiridos dão mais importância a salvar o maior número de vidas e preferem proteger a espécie humana em detrimento dos animais. Mostra, ainda, que têm tendência a dar atenção ao alto valor social da pessoa em causa, à idade jovem e ao sexo feminino, bem como, ao facto de obedecer às leis e a evitar a intervenção na direcção do VA quando confrontados com a decisão.

Tecnologia nível “quê”?

Já viram vídeos do Waymo2, o carro da Google, ou do EZ103, do projecto CityMobil2? É impressionante ver os veículos a deslocarem-se sozinhos na rua. Vai demorar um pouco até serem acessíveis ao público. No entanto, os veículos actuais já incorporam algumas tecnologias que os colocam como veículos de nível 1 ou 2 de acordo com a classificação de automação SAE1 (sistemas de aviso sonoro baseados em sensores são nível 0).

Ora veja-se, por exemplo, o cruise control (CC). Patenteada há mais de 50 anos, esta tecnologia permite programar o motor para manter uma certa velocidade e já se encontra em grande parte dos veículos das famílias. A sua evolução levou à criação do cruise control adaptativo no qual o veículo consegue manter uma distância de segurança em relação ao carro que circula à sua frente, trava e acelera de forma automática.

Ambas as tecnologias correspondem ao nível 1 da SAE. Neste nível o sistema não tem controlo da direcção e da aceleração/desaceleração do veículo ao mesmo tempo. Outros exemplos são: lane keeping assist (LKA), o sistema faz força no volante para recolocar o veículo no centro da via, ou park assist (PA), em que a direcção é controlada pelo sistema mas a aceleração/desaceleração é controlada pelo condutor.

A tecnologia nível 2 da SAE, permite ter as mãos fora do volante mas os olhos devem continuar focados na estrada. O Autopilot da Tesla é disso exemplo4. Nesta categoria também se podem encontrar as tecnologias: intelligent parking assist (IPA), a qual permite ao veículo fazer a manobra completa de estacionamento por si mesmo, sem intervenção humana, ou o traffic jam assist, o qual controla, para além da aceleração/desaceleração, os movimentos laterais em área de congestionamento, para velocidade inferior a 30 km/h5.

O próximo nível é o 3: com alguma tecnologia em fase experimental, os veículos vão conseguir circular de forma automatizada, ainda que com supervisão humana e necessidade de intervenção em determinadas ocasiões. Este é o ponto onde a interacção entre máquinas e humanos começa a ser discutida e é aqui o salto de fé. Começam-se a questionar as acções das máquinas uma vez que a máquina não assiste apenas a condução mas toma decisões.

Neste nível encontram-se os veículos que consigam conduzir sem intervenção humana em estradas congestionadas para velocidades superiores a 60 km/h ou em auto-estrada, para velocidades até 130 km/h. Se conseguirem estacionar sem intervenção do condutor humano num parque de estacionamento, incluindo as manobras de entrada e saída sem a presença do condutor então já apresenta uma automação elevada (nível 4). Tal como os exemplos iniciais, veículo da Waymo e projecto CityMobil2.

Ao nível 5 correspondem os Veículos Autónomos.

As tecnologias de nível 1 e 2 são reais. Mas a tecnologia está a evoluir e a discussão sociológica aumenta. A automação total levanta questões difíceis de responder relativas à interacção homem-máquina. E o blogue está aqui para acompanhar e contribuir para esse debate.