Substituição total?

Talvez seja importante voltar um pouco atrás nos pensamentos e esmiuçar o objectivo do VA na sociedade. Se no passado demos extrema importância à velocidade e ao transporte colectivo, hoje exploramos a tecnologia numa direcção diferente. Estamos a um passo de substituir a condução humana por um sistema automatizado. Mas porquê?

Um primeiro ponto de vista pode sugerir “porque podemos”. Estamos numa era em que os componentes necessários estão desenvolvidos ou em fase avançada de desenvolvimento e podemos explorar esta questão. Não nos parece ser uma reposta em si mesma. No entanto, é um caminho que passa muitas vezes entre as gotas da chuva sem avaliarmos as reais consequências da implementação destas tecnologias.

Podemos abordar esta pergunta de outro ponto de vista; a condução de um veículo pode ser uma actividade monótona. E automatizar um processo repetitivo tem vindo a ser uma tarefa indispensável dos nossos tempos. “Tempo vale dinheiro” – e no VA podemos aproveitar o tempo que estaríamos a despender a conduzir para realizar outras tarefas que nos motivam mais do que a condução. No entanto, não se pode impedir uma pessoa, num futuro próximo ou longínquo, de optar por condução manual. Qualquer pessoa deve ter o direito a não querer usar a tecnologia. Este é um tema que pode ser pouco consensual quando entramos na esfera do bem comum, apoiado pelo próximo argumento.

O terceiro argumento para adoptar o VA é a redução drástica de acidentes nas estradas. No entanto, este argumento parece frágil em determinados ângulos. Alguns autores defendem que a taxa de sinistralidade diminui com a chegada dos VA porque a grande fatia dos acidentes são causados por erro humano na condução16; no entanto, outros autores defendem que a sinistralidade pode até piorar num período de transição em que veículos tradicionais e autónomos partilham a estrada17. Se formos buscar atrás a questão do direito à condução manual então o período de transição pode ser eterno e deita por terra um argumento que se tem colocado como o mais forte dos anteriores.

Se a segurança rodoviária só aumenta com um mundo cheio de VA vamos restringir a condução a apenas veículos autónomos e impedir o direito de escolha pessoal?

Tecnologia em todas as frentes

A capacidade do hardware nos veículos em teste está perto de responder às necessidades de condução de um VA53. Os veículos estão munidos de diferentes instrumentos que, em conjunto, conseguem responder à complexidade da condução53:

(1) o poder computacional do sistema deve contar com uma boa unidade de processamento de gráficos (GPU) e uma boa unidade de processamento central (CPU);

(2) as câmaras devem ter um alcance significativo e uma boa resolução mas os sensores enfrentam ainda limitações em processar imagens com condições meteorológicas adversas;

(3) o radar representa a melhor opção para condições meteorológicas e de tráfego irregulares;

(4) o sistema Lidar consegue avaliar 360º do ambiente em redor do veículo com maior grau de detalhe que os outros sensores e mais robusto em diferentes ambientes de tráfego, no entanto, necessita de maior poder computacional.

Veja-se o exemplo dos veículos da Navya, usados em diferentes projectos europeus: são compostos por um sistema de GPS, câmaras ópticas estereoscópicas e 4 sensores Lidar (radar ligeiro); os sensores têm um alcance de 200 m e inspeccionam o ambiente em redor 25 vezes por segundo. O veículo consegue detectar peões ou outros veículos e abranda ou pára se necessário57.

Os instrumentos recolhem uma vasta quantidade de dados que deve ser processada em tempo real. O sistema automatizado do veículo deve assegurar toda a tarefa dinâmica da condução em segurança até ao destino. O computador de bordo analisa os dados e dá ordens aos sistemas de aceleração/ desaceleração ou direcção do veículo. Mas além do processamento local, o computador de bordo deve ainda estar ligado remotamente à cloud para58:

(1) actualização de software e algotimos de aprendizagem;

(2) processamento de dados agregados e análise em tempo real por sistemas inteligentes mais potentes;

(3) comunicação com outros veículos (V2V) ou com a infra-estrutura (V2I) permitindo a partilha e actualização de condições de tráfego ou alterações metereológicas.

O software vai ser a chave dos VA. Além do desempenho do veículo, o software pode ainda actualizar novos aspectos de entretenimento e servir como instrumento para personalizar a experiência das pessoas58. Vai permitir, por exemplo, tornar o ambiente menos iluminado, fazer o download da música que a pessoa costuma ouvir ou de um jogo para entreter os miúdos. A qualidade da programação e a experiência que o produto promete oferecer vão ser pontos de distinção entre marcas.

Vamos começar do início…

Estamos a começar a ver nas notícias automóveis que vão do local A ao local B com pouca ou nenhuma interacção humana. As pessoas tendem a designar estes veículos de forma diferente e eles parecem efectivamente fazer coisas diferentes; alguns veículos têm tecnologias que permitem conduzir longas distâncias à mesma velocidade, outros são capazes de parar quando aparece um obstáculo e alguns até já são capazes de andar nas estradas sem nenhum condutor. Quando queremos aqui ver discutidas outras questões sobre o tema temos primeiro de nos focar em explicar alguns conceitos.

As notícias pouco ou nada dizem sobre a investigação que está a ser desenvolvida nesta área nem explicam a natureza destes veículos. É um tema novo e está a ser percorrido um longo caminho para investigar a tecnologia a fundo; mas será que o consumidor final não quer conhecer a tecnologia? ou vai ser absorvido por ela mesmo sem a perceber?

A SAE International1 permitiu que se adoptasse uma terminologia standard na mobilidade rodoviária para veículos com funcionalidades automáticas. Esta classificação identifica 6 níveis de condução que vão desde “sem automação” até “total automação” e é consistente com a prática corrente na indústria. O nível 5 SAE corresponde, assim, ao Veículo Autónomo.

  • Nível 0 – Sem automação – o condutor humano conduz na totalidade do tempo, ainda que possa ser auxiliado por sistemas de aviso e intervenção;
  • Nível 1 – Assistência na condução – a tecnologia pode assistir a condução, quer através da direcção quer da aceleração/desaceleração do veículo, usando informação sobre o ambiente de condução. É esperado que o condutor realize todas as restantes actividades da condução;
  • Nível 2 – Automação parcial – em parte igual ao anterior, só muda o facto de a condução poder ser realizada por um ou mais sistemas de assistência à condução, controlando tanto a direcção como a aceleração/desaceleração do veículo;
  • Nível 3 – Automação condicional – um sistema de condução automatizado controla todos os aspectos da condução dinâmica, esperando que o condutor possa responder de forma apropriada ao pedido de intervenção;
  • Nível 4 – Alta automação – em parte igual ao anterior, só muda o facto de o sistema de condução automatizado continuar a controlar o processo se o condutor não responder de forma apropriada ao pedido de intervenção;
  • Nível 5 – Automação total – desempenho a tempo inteiro do sistema de condução automatizado, para todos os aspectos da tarefa de condução dinâmica, em todas as estradas e condições ambientais que possam ser geridas pelo condutor humano.

A imagem abaixo explica melhor os níveis de automação SAE. Clica para abrires.

Hoje a teoria, daqui a 15 dias a prática. Não vale de nada ficar sem saber a que corresponde cada nível e em que pé estamos neste tema.