i. Comparação do proteoma de P. putida durante a adaptação e crescimento sob stresse causado por fenol

O recurso à análise proteómica quantitativa permitiu-nos identificar aspectos da resposta global ao stresse causado pelo fenol na estirpe modelo Pseudomonas putida KT2440, que tem a sequência do genoma completamente determinada (http://www.tigr.org/tigr-scripts/CMR2/GenomePage3.spl?database=gpp), o que tornou praticável a identificação, de uma forma relativamente expedita, de cerca de duas centenas de proteínas, separadas nos géis 2-D. Quando se adicionou fenol a uma cultura dessa estirpe bacteriana em fase de crescimento exponencial (densidade óptica, OD, da cultura, a 600 nm, de aproximadamente 0,2) verificou-se uma inibição do crescimento (para 600 mg/l de fenol) ou a paragem do crescimento, embora sem redução da viabilidade celular (para 800 mg/l de fenol) (Fig. 12). As amostras celulares recolhidas para comparação do proteoma corresponderam a três condições fisiológicas diferentes: i) células controlo (a dividirem exponencialmente na ausência de fenol) e células expostas durante 1 hora a duas concentrações de fenol: ii) 600 mg/l ou iii) 800 mg/l.


Fig. 12 - Curvas de crescimento (A) de Pseudomonas putida KT2440 em meio mineral com succinato. Durante os crescimentos, as culturas foram expostas a 0 , 600 , ou 800 mg/l de fenol (indicado pelas setas pretas maiores). As culturas foram recolhidas para determinação das unidades formadoras de colónias (B) e para comparação dos respectivos proteomas (nos tempos indicados pelas setas pretas menores) (adaptado de Santos et al., 2004)

Numa primeira fase, foi construído um mapa de referência do proteoma de P. putida KT2440, cultivada no meio de crescimento base sem suplementação com fenol, através da identificação, por MALDI-TOF-MS, de 195 proteínas separadas nos géis 2-D (material suplementar em Santos et al., 2004). Este número corresponde a cerca de 20% do total das proteínas obtidas em cada gel, tendo essa identificação sido realizada em colaboração com o Dr. Dirk Benndorf (UFZ-Centre for Environmental Research, Leipzig, Alemanha). O mapa de referência resultante (Fig. 13; para mais detalhes clique aqui) constitui, no presente, um dos mapas de referência mais extensos existentes para estirpes bacterianas, tendo-se revelado de extrema importância para a realização do estudo cujos resultados serão discutidos em seguida. Este mapa facilitará ainda outros trabalhos futuros, desde que sejam utilizadas condições de separação semelhantes.



Com base no mapa de referência construído, foi possível identificar 70 proteínas cuja quantidade aumentou e 14 cuja quantidade diminuiu quando a cultura de P. putida KT2440 foi exposta a fenol. As proteínas sobre-expressas, após exposição a fenol, pertencem a diferentes famílias funcionais que incluem proteínas envolvidas:

1) na resposta antioxidante e a outros stresses; O aumento da quantidade de proteínas envolvidas na resposta ao stresse oxidativo [AhpC (alkylhidroperoxide reductase C), SodB (iron superoxide dismutase) e Tpx (thioredoxin peroxidase) (Fig. 14) e também Dsb e Fpr)], sugere que o fenol induz este tipo de stresse. Várias outras proteínas, reconhecidamente envolvidas na protecção celular contra uma grande variedade de stresses [UspA (universal stress protein A) (Fig. 14) e, também, HtpG, GrpE, e Tig)] foram também mais expressas em resposta ao fenol. Com base nestes resultados, surge como muito razoável a hipótese de que o aumento da expressão destas proteínas possa contribuir para uma maior protecção celular e uma maior capacidade de reparação dos danos causados pelo fenol. Estes resultados permitem ainda compreender a razão pela qual a sujeição de um microrganismo a uma determinada agressão o torna também mais resistente a diversas outras agressões (um fenómeno denominado “resistência cruzada”).

2) no metabolismo energético; Várias proteínas envolvidas no metabolismo energético, (AceF, Tal, AcnB, MmsA-2 e AceA) surgiram com uma concentração incrementada após exposição ao fenol, o que está de acordo com a existência de diversos mecanismos celulares de adaptação que estão dependentes de energia (ATP). É, por exemplo, o caso da estimulação da actividade de bombas de efluxo (Ramos et al., 2002) que permitem a expulsão de compostos tóxicos (como é o caso dos solventes) para fora da célula.

3) no metabolismo de ácidos gordos e na biossíntese de componentes do envólucro celular; O aumento da expressão de proteínas chave da biossíntese de ácidos gordos (AccC-1, FabB, FabH), sugere a indução de mecanismos de reparação, substituição ou alteração da composição dos ácidos gordos da membrana citoplasmática. Além disso, o aumento de expressão de proteínas envolvidas na biossíntese do lípido A (LpxC) e na biossíntese da parede celular (MurA) também sugere a indução de mecanismos de substituição ou reposição dos componentes da parede celular, presumivelmente danificados pela acção do fenol, através de síntese de novo.

4) no metabolismo de aminoácidos; O aumento da concentração de algumas proteínas envolvidas na biossíntese de aminoácidos (por exemplo, ProA, GltD, TrpB) sugere que o stresse causado pelo fenol causa uma carência de aminoácidos, que pode estar relacionada com a permeabilização da membrana após a exposição a este solvente.

5) no transporte transmembranar; Entre as proteínas deste grupo cuja abundância relativa aumentou, após exposição das células a fenol, é de salientar a proteína TolC, que é um dos componentes mais comuns de vários sistemas de efluxo para multiplas drogas. Além do TolC, várias proteínas presumivelmente envolvidas no transporte de aminoácidos foram também induzidas pelo fenol.

6) na divisão celular; O aumento da expressão da principal proteína inibidora da divisão celular (MinD), após exposição ao fenol, sugere uma resposta que se traduz numa redução, controlada, da taxa de divisão celular. Tal resposta permite a reparação eficiente dos danos causados pelo fenol (por exemplo, peroxidação lipídica e oxidação do DNA por espécies reactivas de oxigénio), o que limita a proliferação de células assim afectadas.

7) na regulação da transcrição; O aumento de duas proteínas reguladoras, Fur (Fig. 7) e OmpR, que regulam de uma forma coordenada uma grande variedade de processos, incluindo o metabolismo do ferro, a osmo-regulação e a resposta a vários stresses, reforça a ideia de que se verifica uma resposta coordenada ao stresse causado pelo fenol.

 



Fig. 14 - Exemplos de proteínas cuja abundância relativa variou quando Pseudomonas putida KT2440 foi subitamente exposta, durante 1 hora, a concentrações crescentes de fenol, de acordo com a amostragem indicada na figura 12 (adaptado de Santos et al., 2004).

Estes resultados forneceram, pois, variadas pistas sobre os determinantes de resistência e mecanismos de resposta à toxicidade causada pelo fenol em células de P. putida, as quais deverão ser validadas e exploradas com o objectivo de elucidar os mecanismos subjacentes. De acordo com o modelo clássico, é dado destaque à importância das membranas celulares, mas as respostas adaptativas a solventes hidrofóbicos, do tipo do fenol, em estirpes do género Pseudomonas, sendo atribuída pouca atenção ao papel desempenhado pelas proteínas presentes no citosol. No entanto, este estudo sugere que existe uma grande diversidade de mecanismos envolvidos nessa resposta a fenol e que as proteínas presentes no citosol podem também desempenhar um papel fundamental na sobrevivência das células quando expostas a concentrações tóxicas de solventes hidrofóbicos.

 Significativamente, foi confirmado, através de experiências envolvendo metodologias de biologia molecular, que uma estirpe da bactéria P. putida se torna mais sensível a fenol e a metais pesados quando o gene que codifica a proteína Tig (trigger factor, chaperona ribossómica envolvida no folding de proteínas sintetizadas de novo) não é expressa. Também Fukumori e Kishii (2001) verificaram que a inactivação do gene que codifica a proteína AhpC (alkylhydroperoxide reductase C, envolvida na resistência ao stresse oxidativo) tem como consequência uma maior sensibilidade da estirpe KT2440 a solventes. Ambas as proteínas foram identificadas durante este estudo de proteómica quantitativa como proteínas cuja abundância relativa aumentava em células expostas a fenol (Santos et al., 2004). Assim, a análise global aqui referida encontra-se na génese deste e de outros trabalhos envolvendo estudos, mais finos, em que a análise é agora realizada gene/proteína a gene/proteína.