2 Fundamentos de probabilidade

2.1 Experiências aleatórias

Um procedimento ou conjunto de circunstâncias que produza resultados observáveis e para o qual:

  1. não é possível prever o resultado de cada realização,

  2. se conhecem todos os resultados possíveis previamente à sua realização,

diz-se uma experiência aleatória.

O conjunto formado por todos os resultados possíveis de uma experiência aleatória diz-se o seu espaço de resultados \((\Omega)\).

Algumas experiências aleatórias

\(E_1:\) lançamento de um dado cúbico

\(E_2:\) lançamento de duas moedas

\(E_3:\) lançamento de uma moeda até sair “cara”

\(E_4:\) ensaio da duração de uma lâmpada nova

Um qualquer subconjunto de \(\Omega\) diz-se um acontecimento.

Alguns acontecimentos notáveis:

O conjunto de todos os acontecimentos definidos num espaço de resultados diz-se o espaço de acontecimentos de uma experiência aleatória (\(\mathcal{A}\)).

A notação e os resultados da teoria de conjuntos são úteis no cálculo de probabilidades!

Uma função \(P:\mathcal{A}\rightarrow\mathbb{R}\) diz-se uma função de probabilidade. Para um qualquer acontecimento \(A\in\mathcal{A}\), o número real \(P(A)\) diz-se a probabilidade da ocorrência de \(A\).

O terno \((\Omega,\mathcal{A},P)\) diz-se o espaço de probabilidade de uma experiência aleatória.

2.2 Interpretações da probabilidade

Interpretação de Laplace (1749-1827)

Consideremos um espaço de resultados formado por \(n\) resultados \((\# \Omega=n)\) e \(A\in \mathcal{A}\) tal que \(\# A=n_A\).

Então \[P(A)=\frac{\# A}{\# \Omega}=\frac{n_A}{n}.\]

Limitações

  • \(\Omega\) finito.

  • Resultados equiprováveis.

Interpretação frequencista

Considerem-se \(n\) repetições de uma experiência aleatória e seja \(n_A\) o número de ocorrências de um acontecimento \(A\) nessas \(n\) repetições. Então

\[P(A)=\lim_{n\rightarrow+\infty}\frac{n_A}{n}.\]

Limitações

  • Só se aplica se a experiência for repetível.

Interpretação subjetivista

A probabilidade não está no objeto (experiência aleatória) mas sim no sujeito que reflete sobre ele.

Qualquer probabilidade exprime um estado de conhecimento ou um grau de crença orientada por princípios de racionalidade e coerência.

2.3 Axiomática de Kolmogorov (1903-1987)

  1. \(P(A)\geq 0\), \(\forall A\in\mathcal{A}\);

  2. \(P(\Omega)=1\);

  3. Sendo \(A_1,\ldots,A_n,\ldots\) uma coleção finita ou infinita numerável de acontecimentos disjuntos dois a dois, então

\[P\left(\bigcup_{i}A_i\right)=\sum_{i}P(A_i).\]

A partir destes axiomas podem-se provar muitas outras propriedades de uma função de probabilidade.

Algumas propriedades

  1. \(P(\bar{A})=1-P(A)\), \(\forall A\in\mathcal{A}\);

  2. \(P(\emptyset)=0\);

  3. \(\forall A,B\in\mathcal{A} : A\subset B \implies P(A)\leq P(B)\);

  4. \(P(A)\leq 1\), \(\forall A\in\mathcal{A}\);

  5. \(P(A\cap \bar{B})=P(A)-P(A\cap B)\);

  6. \(P(A\cup B)=P(A)+P(B)-P(A\cap B)\).

Se \(A\neq\emptyset\) \((\Omega)\) e \(P(A)=0\) \((1)\) então \(A\) diz-se um acontecimento quase impossível (quase certo).

Ou seja,

\[P(A)=0 \implies\mkern-30mu/\mkern20mu A=\emptyset\]

e

\[P(A)=1 \implies\mkern-30mu/\mkern20mu A=\Omega\]

Probabilidade em espaços de resultados contáveis

Sejam \(\Omega=\left\{ \omega_1,\ldots,\omega_n, \ldots\right\}\) e \(A=\left\{ \omega_{1^*} ,\ldots,\omega_{k^*}, \ldots \right\}\subset \Omega\).

\[P(A)=P\left(\bigcup_{i}\left\{ \omega_{i^*} \right\} \right)=\sum_{i}P\left(\left\{ \omega_{i^*} \right\}\right)\]

Caso particular

Espaço de resultados finito: \(\# \Omega = n\) e \(A=\left\{ \omega_{1^*} ,\ldots,\omega_{k^*}\right\}\subset \Omega\)

Resultados equiprováveis: \(P\left(\left\{ \omega_i\right\}\right)=1/n\), \(\forall i\)

\[P(A)=\sum_{i=1}^kP\left(\left\{ \omega_{i^*} \right\}\right)=\frac{k}{n}=\frac{\# A}{\# \Omega}\]

2.4 Probabilidade condicional

Não vimos ainda como levar em conta no cálculo de probabilidades o facto de a ocorrência de um acontecimento poder afectar as probabilidades de outros acontecimentos ocorrerem.

Seja \(B\in\mathcal{A}\) tal que \(P(B)>0\). A probabilidade condicional da ocorrência de \(A\) dado que \(B\) ocorreu é definida por \[ P(A\mid B)=\frac{P(A\cap B)}{P(B)},\, \forall A\in\mathcal{A}.\]

Toda a probabilidade é condicional!

\[P(A)=\frac{P(A\cap\Omega)}{P(\Omega)}=P(A|\Omega),\ \forall A \in\mathcal{A}\]

Teorema Seja \(B\in\mathcal{A}\) tal que \(P(B)>0\) e defina-se a função \(P(\cdot\mid B)\) de \(\mathcal{A}\) em \(\mathbb{R}\). Então \(P(\cdot\mid B)\) é uma função de probabilidade.

Como consequência do teorema anterior todas as propriedades de uma função de probabilidade são satisfeitas por \(P(\cdot\mid B)\).

Algumas propriedades

  1. \(P(\bar{A}\mid B)=1-P(A\mid B)\), \(\forall A\in\mathcal{A}\);

  2. \(P(\emptyset\mid B)=0\);

  3. \(A_1\subset A_2 \Rightarrow P(A_1\mid B)\leq P(A_2\mid B)\);

  4. \(P(A_1\cup A_2\mid B) = P(A_1\mid B)+P(A_2\mid B)-P(A_1\cap A_2\mid B)\)

Alguns teoremas da probabilidade

Uma aplicação das probabilidades condicionais

\[\begin{array}{lll} P(A\cap B)&=&P(A)P(B\mid A),\,\text{se}\, P(A)>0\\[0.2cm] &=&P(B)P(A\mid B),\,\text{se}\, P(B)>0 \end{array}\]

Tiram-se da caixa acima sucessivas bolas ao acaso. Qual a probabilidade de a primeira bola preta surgir na terceira tiragem?

Teorema da probabilidade composta

\[\begin{array}{lll} P(A_1\cap A_2\cap \ldots \cap A_n) & = & P(A_1)\times P(A_2\mid A_1) \times\\[0.2cm] & \times & P(A_3\mid A_1 \cap A_2) \times\ldots \times\\[0.2cm] & \times & P(A_{n-1}\mid A_1\cap\ldots \cap A_{n-2}) \times \\[0.2cm] & \times & P(A_n\mid A_1\cap \ldots \cap A_{n-1}) \end{array}\]

Uma coleção finita ou infinita numerável de acontecimentos \(A_1,\ldots,A_n, \ldots\) tais que

  1. \(A_i\cap A_j=\emptyset\), \(\forall i\neq j\)

  2. \(\bigcup_{i}A_i=\Omega\)

diz-se uma partição do espaço de resultados \(\Omega\).

1 2

De acordo com o resultado do lançamento de uma moeda equilibrada seleciona-se uma das caixas acima e tira-se ao acaso uma bola de essa caixa.

Qual a probabilidade da bola retirada ser preta?

Teorema da probabilidade total

Sendo \(A_1,\ldots,A_n, \ldots\) uma partição de \(\Omega\) então \[P(B)=\sum_{i}P(B\mid A_i) P(A_i),\,\forall B\in \mathcal{A},\] omitindo-se da soma qualquer parcela em que \(P(A_i)=0\).

1 2

Foi feita a experiência do exercício anterior e sabe-se apenas que a bola obtida foi preta.

Qual a probabilidade de ter sido selecionada a caixa 1?

Teorema de Bayes (1702-1761)

Sendo \(A_1,\ldots,A_n\) uma partição de \(\Omega\) e \(B\in\mathcal{A}\) tal que \(P(B)>0\), então \[P(A_k\mid B)=\frac{P(B\mid A_k)P(A_k)}{\sum_{i}P(B\mid A_i) P(A_i)},\,\forall k\]

2.5 Independência

Os acontecimentos \(A\) e \(B\) dizem-se independentes se e só se \[P(A\cap B)=P(A)P(B).\]

Notas

Teorema Se \(A\) e \(B\) são acontecimentos independentes então:

Seja \(C\in\mathcal{A}\) tal que \(P(C)>0\). Dois acontecimentos \(A\) e \(B\) dizem-se condicionalmente independentes (dado \(C\)) se e só se \[P(A\cap B\mid C)=P(A\mid C)P(B\mid C).\]

Nota

Dois acontecimentos podem não ser independentes mas a ocorrência de um terceiro acontecimento pode torná-los independentes.

Para mais do que dois acontecimentos é possível definir várias formas de independência.

Os acontecimentos \(A_1,\ldots,A_n, \ldots\) dizem-se mutuamente ou completamente independentes se e só se para qualquer subconjunto \(\{A^*_i\}_{i=1}^k\) se verifica

\[P\left(\bigcap_{i=1}^k A^*_i\right)=\prod_{i=1}^kP(A^*_i),\;\forall k.\]

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