Os Autores


Desde que a televisão apareceu, o seu objectivo tem sido criar uma experiência cada vez mais imersiva para o utilizador. Depois de se adicionar cor, o progresso tem principalmente tomado a forma de ecrãs cada vez maiores, que ocupam progressivamente mais o campo de visão do utilizador, fazendo-o esquecer o ambiente que o rodeia.

Esta evolução finda com a Realidade Virtual. Bloqueando completamente o campo de visão do utilizador com um ecrã colocado à frente dos olhos, e com rastreio de movimento do mesmo, este pode olhar em todas as direcções e tudo o que verá é o conteúdo que lhe é apresentado, pronto a ser experienciado sem distracções, seja este um vídeo a 360º ou um mundo 3D de um jogo ou de uma aplicação.

Realidade Virtual vs Realidade Aumentada


Com o surgimento destas duas tecnologias relativamente em simultâneo, é natural haver alguma confusão em relação às diferenças entre cada uma delas:

Realidade Virtual

Transporta o utilizador para um ambiente simulado completamente diferente e desliga-o do que o rodeia. Esta é uma experiência imersiva, pois faz o utilizador sentir que está inserido dentro do ambiente. Para conseguir este tipo de experiência, é preciso que o utilizador use um Head-Mounted Display (HMD), isto é, um ecrã usado na cabeça ao nível dos olhos. O HMD tipicamente tapa a visão das redondezas para ajudar na imersão.

Realidade Aumentada

Mantém o foco no mundo real, mas introduz objectos virtuais no mundo real com os quais é possível interagir, sendo também fácil de distinguir o real do virtual. O objectivo não é fornecer uma experiência imersiva, mas sim melhorar a interacção com o mundo real. Assim, não só não é necessário tanto poder de processamento, pois não é preciso simular um mundo totalmente novo, como não é preciso nenhum dispositivo especial: Com um smartphone é possível transferir uma aplicação que faça uso desta tecnologia, como o Pokémon GO, ou a IKEA Place, que podemos ver à esquerda.



Evolução


A realidade virtual tem capacidade não apenas de imitar a vida real, mas também de transportar os utilizadores para outro mundo. Embora muitas pessoas acreditem que seja uma invenção tecnológica recente, a Realidade Virtual (RV) tem uma origem curiosa e interessante.

A realidade virtual teve origem na década de 30, quando Edward Link inventou o Link Trainer, o primeiro exemplo de um simulador de voo comercial. O dispositivo era electromecânico e controlado por motores, com um leme que simulava turbulência. No entanto, foi só na década de 60 que houve uma verdadeira evolução, com a invenção da máscara Telesphere (The Telesphere Mask). Este é o primeiro exemplo de um ecrã montado na cabeça (Head-Mounted Display — HMD), embora numa película não-interactiva (sem rastreamento de movimento).

Em 1961, Comeau & Bryan, dois engenheiros da Philco Corporation desenvolveram o primeiro percursor para o HMD como o conhecemos hoje. O Headsight, como foi chamado, incorporava um ecrã de vídeo para cada olho, e um sistema de rastreamento de movimento ligado a uma câmera de circuito fechado. Desde então a tecnologia foi evoluindo cada vez mais nas décadas seguintes.

Em 2011 foi lançado o iPhone Virtual Reality Viewer, um dispositivo que se acopla a um iPhone para criar experiências de visualização tridimensionais e imersivas. Os ambientes 3D movem-se quando o iPhone é movido — o visualizador é mantido aos olhos como um par de binóculos.

Em 2012, o Oculus Rift foi lançado a partir de uma campanha de Kickstarter, iniciando a era actual da Realidade Virtual, com diferentes implementações, que serão apresentadas adiante.

O que começou com um simples simulador de voo tornou-se hoje numa das tecnologias mais promissoras. Actualmente, a Realidade Virtual tem como base ecrãs estereoscópicos, como óculos e headsets, sendo divulgada na sua maioria para o entretenimento. Mas como se verá mais à frente, a sua aplicação tem-se estendido cada vez mais noutras áreas.

Arquitectura


Embora possam existir outros dispositivos que ofereçam serviço de Realidade Virtual, esta secção irá incidir especificamente no modelo do Oculus Rift, sem grande perda de generalidade em relação aos restantes, pois respeitam o mesmo princípio de funcionamento.

Características

  • Acelerómetro, giroscópio e bússola, com uma taxa de atualização de 1000 Hz
  • Detecção de posicionamento, através de uma camara externa com um sensor CMOS infravermelhos
  • Dois ecrãs Super AMOLED de 5.7 polegadas, com uma resolução de 960x1080 (um por olho)

Funcionamento

  1. (1) Lentes: estabelecem um ponto focal para o utilizador experienciar a sensação de profundidade.
  2. (2) Detecção de movimento: O Oculus Rift está dotado de um giroscópio, acelerómetro e de uma bússola com o intuito de detectar o movimento da cabeça do utilizador. Ao agregar os dados recebidos destes três sensores é possível detectar rapidamente e com exactidão a orientação da cabeça do utilizador. A detecção de posição permite detectar a posição da cabeça do utilizador no plano tri-dimensional relativamente ao sensor. Quando o utilizador se inclinar para examinar um objeto virtual, o ambiente também se irá aproximar para corresponder ao movimento. Isto permite adicionar uma nova camada de interactividade e realismo.
  3. (3) Ecrãs: O sistema utiliza dois ecrãs AMOLED de alta resolução, um por cada olho. O princípio de funcionamento tira partido da forma como os humanos utilizam a visão binocular para terem a percepção de profundidade. Quando as duas imagens 2D são distorcidas e visualizadas a curta distância, cria a sensação que o utilizador está num mundo virtual.

Modelos de negócio


Aplicações


Realidade Virtual em Portugal


Portugal tem sido palco de grandes experiências com Realidade Virtual, principalmente no que tange ao entretenimento. Por exemplo em 2017, a maior experiência de Realidade Virtual do mundo chegou a Portugal, depois de ter passado em países como a Austrália e Japão. O Zero Latency tem conquistado mercados com a sua tecnologia de ponta e vai estar disponível para experimentação. Esta empresa tem-se especializado em criar arenas RV em espaços de até 400m2, onde um máximo de oito jogadores em simultâneo podem experimentar diversos tipos de jogos.

A Virtual Reality & Augmented Reality Association (VRARA), apresentou um mapa em Lisboa, onde mostra um ecossistema em crescimento, já com cerca de 30 empresas, que estão classificadas por actividade. “Com esta iniciativa podemos verificar que existem muitas empresas, num ecossistema que integra universidades, centros de formação e que já dinamiza vários eventos”, explicou num certo jornal, o co-presidente do Lisbon Chapter da VRARA. Segundo ele, acredita-se que, com o mapa que apresentaram, poderão comunicar a investidores estrangeiros que Portugal tem capacidade para albergar Centros de Competências nesta área. E salientou que neste momento já têm bastante talento e experiência RV/RA nacional.

Um dos objectivos em Portugal é mostrar que este ecossistema está a crescer e que existe talento, competências tecnológicas e condições que rivalizam com outros países para o desenvolvimento de projectos nesta área.

Problemas


Apesar dos avanços recentes no campo, como a utilização de ecrãs com densidade de píxeis elevada para reduzir a fadiga ocular, ou a redução da latência associada à reprodução de conteúdo com taxas de fotogramas extremamente elevados de forma a prevenir enjoo, a Realidade Virtual ainda tem muitos problemas graves a resolver:

O primeiro problema é o preço. Não só os headsets são bastante caros, como o hardware em que corre tem de ter um desempenho elevado, requerendo componentes também com preços altos.

Depois temos o problema da configuração. Soluções actuais envolvem a utilização de sensores, que o utilizador tem de decidir onde os colocar conforme a disposição da sala e da localização das tomadas, dado que estes têm de ser alimentados. A sala também terá de ser espaçosa de modo a que o utilizador não bata em mobília ou derrube algo.

Outro problema a ser resolvido é a questão do movimento. O utilizador encontra-se confinado a um espaço fechado graças às câmaras e aos sensores fixos que capturam o movimento do headset e dos comandos. Para se movimentar no mundo virtual, tem de recorrer a um joystick ou limitar-se a teletransportar pelo meio. Com o objectivo de resolver este problema, está actualmente disponível, mas só para uso comercial, a passadeira omnidireccional Virtuix Omni, que fixa o jogador no lugar pela cintura, capturando o movimento das pernas e permitindo movimento a qualquer velocidade, mas em contrapartida impede o utilizador de se agachar e dificulta a actividade de se inclinar. Esta solução também piora o problema do espaço ocupado, dado o tamanho do dispositivo e, se chegar a ser vendido para fins domésticos, o problema do preço.

Também relacionado com o movimento está a questão de impedir o utilizador de se movimentar quando encontra um obstáculo no mundo virtual. Ao encontrar uma parede ou ao manipular, não há nada que impeça o utilizador de continuar o movimento, podendo esticar o braço através de uma parede ou passando a mão por um objecto.

Futuro


Dados os problemas que a tecnologia de Realidade Virtual tem, o futuro será baseado em solucioná-los. Por exemplo, graças à captura de movimento dos comandos, o utilizador já não aponta com um cursor como um rato ou um joystick, mas continua a usar botões para executar acções como o fechar dos dedos. Apesar de haver métodos de entrada como o do Oculus Touch que conseguem perceber que tipo de gestos o utilizador está a fazer com a mão, estes dispositivos continuam limitados devido ao facto que o utilizador move a mão com o propósito do input ser capturado, em vez de o input ser capturado com o movimento natural e intuitivo da mão no espaço. Por isso, o próximo passo em Realidade Virtual é a captura dos movimentos da mão através de luvas, de forma a remover qualquer abstracção de movimento sob a forma de botões.

Um produto em desenvolvimento que concretiza esta ideia é o VRgluv, um par de luvas que funciona como complemento ao Oculus Touch ou ao HTC Vive. Estas luvas exercem força nos dedos, simulando a pressão sentida ao segurar um objecto, sendo possível distinguir a rigidez de objectos virtuais. As luvas são leves e simulam até 2,2 kg de força em cada dedo individual, tendo também mecanismos de protecção contra lesões.

A seguir vem a captura do resto do corpo, e a reprodução de sentidos, como o toque e a temperatura. Para isso, terá de ser desenvolvido um fato com sensores pelo corpo inteiro que capturem movimento, mas que também exerçam feedback e impeçam o utilizador de se mover, por exemplo, em situações onde no mundo virtual está perante uma parede, de modo a que este não a atravesse.

Quanto à portabilidade, não deverão haver avanços. A RV é e deve continuar a ser uma experiência estacionária. Para ser imersiva, o utilizador não pode estar sempre a considerar o que o rodeia, o que não é possível se a RV se tornar portátil, pois as suas redondezas irão estar sempre em constante mudança, o que é bastante perigoso.

Por fim, quanto ao preço, hardware mais capaz será desenvolvido, baixando o preço do hardware actual. Por outro lado, poderão ser criados salões de jogos. O utilizador paga a experiência, mas não o equipamento e não tem de se preocupar em configurar nada. Além disso, ao expor e familiarizar o consumidor com esta tecnologia de forma mais acessível, pode incentivá-lo a mais tarde adquirir o seu próprio dispositivo de Realidade Virtual.

Considerações Sociais


Como visto em secções anteriores, a vantagem principal da Realidade Virtual assenta no conjunto das variadas e abrangentes experiências imersivas que esta dispõe - para fins educativos, terapêuticos, sociais ou de entretenimento. No entanto, esta grande utilidade acarreta consigo certas consequências.

De facto, experiências de entretenimento como videojogos, filmes ou as tão faladas redes sociais, são concebidas para serem "ultra estimulantes”, mantendo os utilizadores viciados no produto (tornando-o o mais rentável possível). Quando um indivíduo se depara com circunstâncias desagradáveis, este procura consolo, e experiências deste estilo pronunciam-se como meios de refúgio. Por esta razão, a aplicação de Realidade Virtual nestas circunstâncias pode ser vista com ousadia, uma vez que o próprio sujeito pode comparar o modo como se sentia perante a realidade em que estava (com os seus problemas/desgostos/etc) com o modo como esta “fuga” o faz sentir e aumentar ainda mais o consumo dessa experiência.

Por exemplo, no filme Ready Player One, de Steven Spielberg, vemos uma sociedade consumida pela Realidade Virtual, que desistiu de um “mundo real” degradado para viver numa terra de fantasia - em que tudo é possível, não só graças aos vastos mundos virtuais para explorar e às possibilidades de entretenimento praticamente infinitas, como ao hardware, que consegue não só capturar de forma extremamente fiel os movimentos do utilizador, como também dar-lhe feedback instantâneo em relação ao que acontece à sua personagem virtual (por exemplo aplicando força nos músculos para causar dor, simulando o acto de ser alvejado) transmitindo a ideia de que tudo o que é possível sentir no mundo real é também possível sentir no virtual (salvo olfacto e paladar). Mas acima de tudo, o ponto fulcral é que é possível escolher, na maior parte das situações, apenas sentimentos positivos.

No entanto, o caso acima referido, nem é o mais desfavorável uma vez que, apesar de não ser fisicamente presencial, continua a ser uma experiência social. O mesmo não poderá ser dito com aplicações e jogos de um utilizador apenas, em que este interage com um ambiente puramente virtual. No caso, é fácil desenvolver comportamentos anti-sociais e perda de empatia pelos outros. Actualmente, já nos deixámos consumir pelos telemóveis, graças à sua facilidade de utilização, portanto será apenas uma questão de tempo até que os dispositivos de Realidade Virtual progridam o suficiente para permitir este tipo de decadência representado no filme, pelo que será preciso, mais do que nunca, força de espírito para o indivíduo não se perder.